quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Pequeno Príncipe, Capítulo XXI

E foi então que apareceu a raposa:
− Bom dia – disse a raposa.

− Bom dia – respondeu educadamente o pequeno príncipe, que, olhando a sua volta, nada viu.
− Eu estou aqui – disse a voz, debaixo da macieira…
− Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita…
− Sou uma raposa – disse a raposa.
− Vem brincar comigo – propôs ele – Estou tão triste…
− Eu não posso brincar contigo – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
− Ah! Desculpe – disse o principezinho.
Mas, após refletir, acrescentou:
− Que quer dizer ‘cativar’?
− Tu não és daqui – disse a raposa – Que procuras?
− Procuro homens – disse o pequeno príncipe. – Que quer dizer ‘cativar’?
− Os homens – disse a raposa – tem fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
− Não – disse o pequeno príncipe. – Eu procuro amigos. Que quer dizer ‘cativar’?
− É algo quase sempre esquecido – disse a raposa – Significa ‘criar laços’…
− Exatamete – disse a raposa – Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
− Começo a compreender – disse o pequeno príncipe. –
Existe uma flor… eu creio que ela me cativou…
− É possível – disse a raposa – Vê-se tanta coisa na Terra…
− Oh! Não foi na Terra – disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
− Num outro planeta?
− Sim.
− Há caçadores nesse planeta?
− Não.
− Quem bom! E galinhas?
− Também não.
− Nada é perfeito – suspirou a raposa.
Mas a raposa retomou o raciocínio.
− Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:
− Por favor… cativa-me! – disse ela.
− Eu até gostaria, – disse o princiepezinho – mas não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
− A gente só conhece bem as coisas que cativou – disse a raposa – Os homens não tem mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
− Que é preciso fazer? – perguntou o pequeno príncipe.
− É preciso ser paciente – respondeu a raposa – Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto…
No dia seguinte o príncipe voltou.
− Teria sido melhor se voltasses à mesma hora – disse a raposa – Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração… É preciso que haja um ritual.
− Que é um ‘ritual’? – perguntou o principezinho.
− É uma coisa muito esquecida também – disse a raposa. – É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meu caçadores, por exemplo, adotam um ritual. Os meus caçadores, por exemplo, adotam um ritual. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira é então o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem em qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu nunca teria férias!
Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
− Ah! Eu vou chorar.
− A culpa é tua – disse o principezinho – Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse…
− Quis – disse a raposa.
− Mas tu vais chorar! – disse ele.
− Vou – disse a raposa.
− Então, não terás ganho nada!
− Terei, sim – disse a raposa – por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
− Vai rever as rosas. Assim, compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.
O pequeno príncipe foi rever as rosas:
− Vois não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes ninguém. Sois como era minha raposa. Era igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram desapontadas.
− Sois belas, mas vazias – continuou ele – Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem pus sob a redoma. Foi ela quem abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
− Adeus… – disse ele.
− Adeus – disse a raposa – Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
− O essecial é invisível aos olhos – repetiu o principezinho, para não se esquecer.
− Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
− Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa… – repetiu ele, para não se esquecer.
− Os homens esqueceram essa verdade – disse ainda a raposa – Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa…
− Eu sou responsável pela minha rosa… – repetiu o principezinho, para não se esquecer.



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          
                                                                                                                                                                                                                                   
Antoine de Saint-Exupéry